Teaching as a Design Science: Uma Resenha
Por décadas, fomos seduzidos pela promessa de que tecnologias digitais transformariam radicalmente a educação. Bancos, fábricas e hospitais foram completamente redesenhados por sistemas tecnológicos sofisticados, mas as salas de aula permanecem essencialmente as mesmas desde o século XIX. Por que essa transformação tão aguardada não se concretizou?
Diana Laurillard enfrenta essa questão central em Teaching as a Design Science, propondo que o problema não está nas tecnologias em si, mas na ausência de um framework metodológico que permita aos professores assumirem o papel de designers pedagógicos. Diferente de banqueiros e cirurgiões, que receberam recursos massivos para desenvolver sistemas especializados, professores foram deixados à própria sorte para descobrir como usar ferramentas criadas para comércio e indústria no contexto educacional.
A Tese Central: Ensino Como Ciência do Design
O argumento de Laurillard é ao mesmo tempo radical e pragmático: o ensino deve ser reconhecido não apenas como arte (o que todos admitem), mas como uma ciência do design — nos moldes da engenharia ou arquitetura. Como Herbert Simon observou, ciências do design não descrevem "como as coisas são" (ciências naturais), mas se preocupam com "como as coisas devem ser" para atingir objetivos formalmente definidos.
No caso do ensino, o objetivo é claro: desenvolver conhecimento e capacidades dos alunos. A ciência do design pedagógico usa o que sabemos sobre ensinar para atingir esse objetivo e, fudamentalmente, usa a implementação de seus designs para continuar melhorando-os. É um processo iterativo, baseado em evidências, que combina criatividade artística com rigor metodológico.
O Conversational Framework: Integrando Teorias de Aprendizagem
A contribuição mais significativa do livro é o desenvolvimento do Conversational Framework — uma estrutura visual que integra sete teorias de aprendizagem (associativa, cognitiva, experiencial, socioconstrutivista, conceitual, construcionista e colaborativa) em uma única representação utilizável por professores. Este não é um framework puramente teórico, mas uma ferramenta prática de design pedagógico.
O framework identifica cinco ciclos principais de interação:
Três ciclos professor-aluno:
Ciclo de Comunicação (TCC): O professor explica conceitos, o aluno articula seu entendimento, e essa troca garante compreensão compartilhada;
Ciclo de Prática (TPC): O aluno gera ações em ambiente de prática e recebe feedback extrínseco do professor;
Ciclo de Modelagem (TMC): O aluno interage com ambiente que fornece feedback intrínseco, permitindo "aprender sem ser ensinado".’
Dois ciclos entre pares: 4. Ciclo de Comunicação entre Pares (PCC): Alunos compartilham e discutem conceitos 5. Ciclo de Modelagem entre Pares (PMC): Alunos usam trabalhos uns dos outros como modelos
Sobre esses ciclos, Laurillard mapeia seis tipos de aprendizagem: aquisição, investigação, prática, produção, discussão e colaboração. Cada tipo requer design pedagógico específico e pode ser potencializado por tecnologias digitais de maneiras distintas.
Desmistificando as Formas de Aprendizagem
Um dos méritos de Laurillard é tratar cada forma de aprendizagem com a seriedade que merece, desmistificando tanto idealizações românticas quanto preconceitos pedagógicos.
Aprendizagem por Aquisição
Contrariando modismos que demonizam o ensino expositivo, Laurillard demonstra que palestras podem ser extremamente efetivas quando os estudantes estão bem preparados para aprender com elas. O problema não é a narrativa do professor em si, mas quando ela é usada isoladamente, sem atividades que criem "a estrutura de relevância apropriada". Como Dan Schwartz observa, "as pessoas constroem seu conhecimento independentemente de o input vir do mundo físico ou linguístico."
Aprendizagem por Investigação
A investigação permite que estudantes transformem a narrativa do professor em sua própria narrativa, controlando a sequência de informação. Mas Laurillard alerta: simplesmente dar acesso a recursos (biblioteca, repositórios digitais) não garante aprendizagem crítica e analítica. É necessário criar o ambiente pedagógico completo que motiva, guia, desafia e apoia estudantes através do processo complexo de desenvolver simultaneamente conhecimento e habilidades de investigação.
Aprendizagem por Discussão
Baseando-se em Vygotsky, Laurillard explora como a comunicação entre pares "produz a necessidade de verificar e confirmar pensamentos". Mas toda a pesquisa mostra que discussão produtiva demanda preparação e monitoramento significativos pelo professor. A discussão não acontece automaticamente — requer design pedagógico cuidadoso que estrutura o processo, define papéis, fornece ferramentas e equilibra autonomia estudantil com orientação.
Aprendizagem por Prática
Talvez a seção mais reveladora, onde Laurillard elabora o ciclo fundamental goal-action-feedback-revision (meta-ação-feedback-revisão), também chamado de "learning through prediction" pelos neurocientistas. Com feedback intrínseco significativo, o aluno pode ser autoconfiante porque tem meios suficientes para aprender sem o feedback extrínseco do professor.
O desafio está nas humanidades: diferente de amarrar cadarços, interpretar um poema não produz consequências diretas no mundo real. Os artefatos culturais não fornecem feedback sobre interpretações — o aluno precisa de reassurance através do feedback extrínseco do professor. Como criar "micromundos" onde até mesmo a análise literária possa oferecer feedback significativo? Este é o tipo de problema de design que Laurillard nos convida a enfrentar.
A Questão da Tecnologia: Promessa e Realidade
Um dos insights mais importantes do livro é sobre o baixo desempenho histórico das tecnologias educacionais. Pesquisadores como Larry Cuban (EUA) e relatórios da Becta (Reino Unido) mostram que professores sistematicamente adaptam tecnologias para práticas tradicionais centradas no professor. As razões são conhecidas: falta de tempo, treinamento inadequado, organização institucional tradicional.
Mas Laurillard vai além do diagnóstico óbvio. O problema fundamental é que modelar a atividade que move "uma mente da confusão para o entendimento" é infinitamente mais complexo do que modelar transações bancárias ou processos industriais. E os professores receberam ferramentas genéricas sem o suporte metodológico para reimaginá-las pedagogicamente.
A solução não virá de fora — de governos, empresas de tecnologia ou especialistas distantes. Virá de aproveitar o trabalho de professores individuais que, cotidianamente, descobrem e testam novas maneiras de usar tecnologias digitais. Mas para isso, precisamos de frameworks, linguagens compartilhadas e estruturas de design que permitam capturar, refinar e disseminar essas inovações locais.
Relevância para o Contexto Brasileiro
Para quem trabalha com tecnologia educacional no Brasil, Teaching as a Design Science oferece uma alternativa refrescante aos discursos que oscilam entre o tecnocentrismo ingênuo ("a tecnologia vai resolver tudo") e o luddismo pedagógico ("tecnologia desumaniza a educação").
Laurillard nos convida a uma postura diferente: reconhecer que tecnologias digitais criam genuínas oportunidades de design pedagógico, mas apenas se formos capazes de tratá-las como matéria-prima para criar ambientes de aprendizagem que completem os ciclos do Conversational Framework. Cada ferramenta digital deve ser avaliada não por seus recursos técnicos, mas por sua capacidade de habilitar formas específicas de interação pedagógica.
Isso tem implicações diretas para políticas educacionais. Em vez de medir sucesso pela quantidade de computadores ou tablets distribuídos, deveríamos perguntar: essas tecnologias estão permitindo que professores criem ambientes onde alunos podem articular conceitos, receber feedback significativo, revisar suas práticas e colaborar com pares de maneiras que antes não eram possíveis?
O Golfo da Incerteza
Laurillard identifica o que chama de "golfo considerável de incerteza" entre saber o que é necessário para aprender e saber o que é necessário para ensinar. Este golfo não será transposto por soluções simples ou fórmulas mágicas. Será atravessado gradualmente, através do trabalho meticuloso de design pedagógico, teste, refinamento e compartilhamento de padrões que funcionam.
O livro nos fornece um mapa para essa jornada. O Conversational Framework não é uma prescrição rígida, mas uma linguagem comum que permite a professores de diferentes disciplinas e contextos comunicarem seus designs, aprenderem uns com os outros e construírem coletivamente uma base de conhecimento sobre ensino efetivo com tecnologia.
Conclusão: Um Convite ao Design Deliberado
Teaching as a Design Science é, fundamentalmente, um convite para que professores assumam o papel de designers profissionais de suas próprias práticas. Não designers amadores que tentam e erram sem método, mas designers que:
Partem de objetivos de aprendizagem claros;
Utilizam frameworks teóricos consistentes;
Criam ambientes pedagógicos deliberadamente estruturados;
Coletam evidências sobre o que funciona;
Refinam seus designs iterativamente;
Compartilham padrões bem-sucedidos com a comunidade.
Esta é uma visão ambiciosa e exigente da profissão docente. Mas talvez seja exatamente a visão que precisamos para finalmente realizar a transformação educacional que as tecnologias digitais tornaram possível, mas que ainda não conseguimos efetivar.
Como Laurillard deixa claro, essa transformação só é viável se aproveitarmos o trabalho dos professores que, cotidianamente, descobrem e testam novas maneiras de ensinar. O livro oferece a infraestrutura conceitual para capturar, refinar e disseminar essas descobertas. Cabe a nós, professores e pesquisadores, assumir esse projeto de design pedagógico com o rigor, a criatividade e a colaboração que ele demanda.
Diana Laurillard. Teaching as a Design Science: Building Pedagogical Patterns for Learning and Technology. New York: Routledge, 2012.